Neste momento político-social muito se fala da importância da diversidade e da tolerância nas relações intersubjetivas no mundo contemporâneo. As crianças e os adolescentes imigrantes sentem-se inseguros com as novas formas de ver, sentir e dizer, novas relações intersubjetivas e novas escolas. Passa a perceber, naquele mundo que se abre aos seus olhos, o estilo de vida, grupo social, cultural, gastronomia, tudo muito diferenciado do que já tinha sido a sua experiência vivida e nessa sua nova vida, rotinas novas se impõem. Neste momento, é como se o corpo daquela criança ou do adolescente imigrante se levantasse e fosse em direção ao mundo pela primeira vez e, com esse levantar, vêm as diversas travessias a serem feitas em relação às novas convivências que envolvem a perceção das questões sociais, culturais, morais daquele país no qual se inseriu ao deixar a sua Pátria e esses novos olhares acabam por acentuar as inúmeras vulnerabilidades, fragilidades naqueles seres imigrantes ainda em formação física, psicológica e de valores de vida. Como este artigo se volta de forma enxuta a alguns aspetos sobre a criança ou adolescente imigrante, convém destacarmos, numa ótica jurídica, que a falta de conhecimento sobre os direitos e deveres no acesso ao sistema de ensino por parte das famílias é visível, o que dificulta um pouco mais a integração das crianças ou adolescentes com os demais futuros colegas e quiçá amigos em um futuro curto.
Registramos, ainda, que a Língua Portuguesa rege-se pelo princípio da universalidade de direito no acesso à educação para todas as crianças e adolescentes residentes em território nacional, independentemente da sua nacionalidade, etnia e situação económica. Acrescentamos, inclusive, que as crianças e adolescentes são sujeitos de inúmeros direitos, tais como: educação, proibição de abandono, discriminação e opressão; proibição de trabalho de menores em idade escolar; que não podem ser vítimas de qualquer violência física ou psicológica ou exploradas economicamente; gozam do direito à inscrição nas finanças, na segurança social, bem como número de utente com direito a atendimento gratuito até doze anos no Sistema Nacional de Saúde.
Ressaltamos, também, que as crianças e adolescentes, imigrantes de outras nacionalidades, gozam dos mesmos direitos fundamentais de proteção das crianças portuguesas, por exemplo. Tais Direitos decorrem do Princípio do Superior Interesse da Criança. O Superior Interesse da Criança traz implícito o pressuposto de que a proteção dos filhos deve preponderar sobre quaisquer outras demandas e necessidades. É de grande relevância trabalhar também juntamente às crianças e aos adolescentes imigrantes, a diversidade local em todos os âmbitos sociais, culturais, morais, para que culmine com a palavra que bem sintetiza um relacionamento saudável e respeitoso, a tolerância pelo diverso, pelo diferente, porque não podemos impor modelos, padrões de conduta ou do que quer que seja. Essa forma de ver e interpretar o mundo auxilia a coibição de muitos conflitos sociais, políticos e de muitas agressões físicas, verbais e até crimes em razão de etnia, género ou política, conforme aparecem frequentemente nos nossos “media”. Essa educação do ser em desenvolvimento, quando bem acompanhada, permite que nasçam jovens mais saudáveis que respeitem o que for diferente e, consequentemente, a tolerância com o que o cerca em sua vivência.
Concluímos, pois, que o superior interesse da criança e do adolescente enquanto pessoa em desenvolvimento, protegidos pela Constituição, deve ser analisado como um dos principais aspetos das relações familiares da contemporaneidade, sem aquela voz ditatorial e de discriminação pelo que for diferente. Proporcionar à criança, assim como ao adolescente, maior observação do seu entorno para depois ambos poderem construir um conceito sobre tudo com o qual eles se identifiquem e queiram para si: seja moral, cultural ou religioso. Mas o importante é a criança e o adolescente aprenderem a ver, a enxergar primeiro, não apenas com os olhos, mas com todo o seu sensorial. O sentir leva-nos a compreender e a conceituar o mundo. Considerando as palavras de Carlos Ruíz Záfon, que vêm nessa mesma teia de sentidos, temos que “uma das armadilhas da infância (ou adolescência) é que não é preciso compreender para sentir. Quando a razão é capaz de entender o ocorrido, as feridas no coração já são profundas demais” e, por vezes, irreversíveis. Mas em quaisquer situações a busca pelo reconhecimento do diferente, o alcance de uma postura de tolerância diante dessa diversidade cultural e intercultural e a superação ao viver como um imigrante fora de sua Pátria deve ser feita sim numa grande TRAVESSIA: que será uma grande viagem de aprendizagem e enriquecimento como ser humano.
Helena do Passo Neves
Advogada
Matéria publicada no Jornal Olhar Brasileiro em Portugal em 19/11/2018 em 16/04/2021